quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Eleições na Catalunha

A situação na Catalunha, depois das eleições de 21 de Dezembro, está completamente embrulhada. Em número de deputados, os independentistas têm maioria absoluta (70 lugares num parlamento de 135). Contudo, os independentistas apenas têm 47,5% dos votos. Isto parece indicar que os não independentistas têm, em caso de um hipotético referendo, uma maioria garantida. Nem isso, porém, é claro. Os não independentistas somam 50,9% dos votos. Contudo, neste bloco estão contabilizados os 7,45% do CatComú-Podem, o Podemos catalão e os seus aliados, que parecem ser bastante esquivos. Nada garante que parte destes votos, num hipotético referendo, não se desloque para o independentismo. Em resumo, uma salsada das antigas, na qual o senhor Rajoy, com os seus tiques marialvas, sai maltratado. Não resolveu nenhum problema e talvez tenha criado alguns. O não independentismo deve ter atingido o seu pico no dia de hoje, a partir de agora o mais previsível é diminuir por falta de comparência. Do ponto de vista democrático, só um referendo legal poderá resolver a situação. Ora, para isso é necessário mexer na Constituição e na linguagem arcaica e quasi-falangista que transparece no corpo legal espanhol. Será que os fantasmas espanhóis o vão permitir?

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Polónia e Estado de direito

O que a Polónia aprovou é um ataque aos princípios fundamentais do Estado de direito. Por certo, não deve haver governante que não gostasse de controlar o aparelho judicial. Isso, porém, seria destruir não apenas o sistema democrático mas também o direito básico fundamental a um julgamento justo e imparcial. Seria trazer o inferno para a Terra. O que separa um Estado de direito de um Estado absoluto é, mais do que a existência do pluralismo político, a clara separação entre o poder executivo e o poder judicial. Perante a decisão polaca, vamos ter agora a possibilidade de averiguar, na prática, as crenças que norteiam as elites políticas europeias.

domingo, 17 de dezembro de 2017

Pancadinhas nas costas

Esta linguagem serve para quê? Todos nós temos o direito de julgar as agências de rating uma das dez pragas do Egipto. Pessoalmente, não lhes tenho particular estima. A questão, porém, é outra. De que me serve abominar com veemência e ardor - a líder do BE (ver aqui) é sempre veemente e ardorosa - essas terríveis entidades diabólicas, se depois a minha vidinha depende delas? Importante seria demonstrar que o país não depende do rating que essas agências malévolas lhe atribuem. Ora como o país parece que depende, como o BE e outros ainda não conseguiram explicar como podemos viver sem aquelas sentenças imorais que essas malditas górgonas se lembram de proferir a torto e a direito, o melhor é receber delas pancadinhas nas costas do que murros na cara.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Perdeu o faro

Será que António Costa perdeu o faro político que parecia ser a sua imagem de marca? Será que não passa de um adolescente que se entusiasma e diz qualquer coisa movido pela emoção? Não saberá ele, que anda há tanto tempo nisto, que qualquer palavra - ou até qualquer murmúrio - que saia da sua boca vai ser escrutinada até à exaustão? Por muitas razões que a economia lhe dê para rir e celebrar (até a Fitch o veio ajudar), ele, depois da devastação dos incêndios, terá de medir cada palavra que diz, cada expressão facial que apresenta. Um político não tem estados de alma. Um político que luta para manter o poder apresenta os estados de alma que os eleitores esperam dele. As coisas são o que são. Num ano em que morreram mais de cem pessoas em incêndios, devido aos quais o governo está sob forte escrutínio público, nem ao diabo lembraria vir dizer que 2017 foi um ano saboroso para o país. António Costa parece que ainda não percebeu uma coisa essencial para se manter no poder. Ele e o seu governo, em público, ou se mostram de luto, ou põem cara de enterro, ou fazem-se de mortos.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

A tradição de direita

Diz o doutor Rio: "O PSD não é um partido de direita nem é a direita, é um partido social-democrata e a social-democracia é ao centro, não é à direita nem à esquerda." Em primeiro lugar, Rui Rio está equivocado. A social-democracia sempre foi de esquerda. Que o antigo PPD se tenha dado o nome do PSD, isso não passou de um mero expediente. A social-democracia está ligada ao movimento operário e evoluiu de movimento revolucionário para movimento reformista, sem deixar de ter essa relação com o mundo do trabalho e dos sindicatos. Em segundo lugar, o centro pode ser conquistado sem necessidade de recorrer à tradição social-democrata. Em muitos países uma combinação de pensamento democrata-cristão e de pensamento liberal - por vezes, mesclado com pensamento conservador - tem tido capacidade de mobilizar o centro e fornecer alternativas de governo sólidas, muitas vezes mais atraentes para o eleitorado do que as alternativas social-democratas. Já era tempo em Portugal de nos deixarmos deste tipo de fogos de artifício. Portugal já tem demasiados partidos social-democratas (do PS ao PCP, passando pelo BE, todos têm programas de governação social-democratas). Não seria mau para a democracia que a direita tivesse alguma solidez ideológica. A cada um a sua tradição. E se a tradição da direita tem de ser inventada, ao menos que a invente fora do território da esquerda.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Veneno e sangue

Na decisão de transferir a embaixada dos EUA, em Israel, para Jerusalém, anunciada por Donald Trump, há duas coisas dignas de realce. Em primeiro lugar, o desdém por uma das virtudes políticas essenciais, a prudência. Em segundo lugar, o desprezo pelos sentimentos do mundo muçulmano, como se este fosse uma actor político menor ou mesmo inexistente. Menosprezar a prudência e dar razões para que o mundo muçulmano, sempre tão dividido, tenha uma causa comum significa o quê? Cada semente que é lançada no solo da história germina e acabará, mais tarde ou mais cedo, por ser árvore e dar frutos. Raramente, os frutos que nascem nessas árvores são doces. Por norma, são venenosos e sabem a sangue. 

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Má memória

É muito curiosa a contínua referência, pela militância social de direita, aos resgates feitos pelo FMI. A ideia que passa é que todos os resgates se fizeram por causa da má governação da esquerda. Esquece, por exemplo, que o resgate de 1983, feito pelo governo do bloco central, foi antecedido por uma longa governação da direita. De Janeiro de 1980 a Junho 1983, três anos e meio, a Aliança Democrática governou o país, deixando-o à beira do colapso e entrando numa crise política que, apesar da maioria na Assembleia, leva à queda do governo e à ruptura entre PSD e CDS. Uma direita com má memória.

domingo, 3 de dezembro de 2017

Desígnios

O dr. Santana Lopes, pessoa simpática e estimável, tem um grande desígnio, o do desenvolvimento do interior. Um desígnio talvez tão grande quanto era a paixão de António Guterres, outra pessoa simpática e estimável, pela educação. Como todos sabemos, as paixões são coisas que dão forte mas, felizmente, passam depressa. Ao fim de algumas paixões, até estas se tornam rotina e cansaço. E desígnios, dr. Santana Lopes, são paixões que nem paixões chegam a ser, por falta de energia. Seria melhor que o interior tivesse vontade e iniciativa para se desenvolver e os drs. Santanas Lopes – onde se incluem os candidatos do PSD e governantes do outro lado – poderiam estar mais tranquilos, sem ter a necessidade da profecia ou da promessa, nem afectar paixões que o corpo e o coração, por inadequação visível, não conseguem albergar.

sábado, 2 de dezembro de 2017

Como Deus

Na catequese, foi-me ensinado que Deus estava em toda parte e cuidava de nós. Não se pode dizer que as provas empíricas fossem sólidas, mas como essas proposições são matéria de fé, cada um fará com elas o que entender. Hoje em dia, porém, podemos dizer que Marcelo Rebelo de Sousa está em toda a parte. E há provas empíricas robustas. Foi visto num protesto de professores, em homenagens fúnebres a Belmiro de Azevedo e a Zé Pedro, sobre os quais teceu agradáveis palavras. Ainda teve tempo para ir ao Banco Alimentar, salvo erro, e para emitir opinião sobre a magna quaestio de Mário Centeno ir ou não para chefe do Eurogrupo. Não sei se, como Deus, Rebelo de Sousa cuida de nós, mas, como Ele, está em toda a parte. E nem ao sétimo dia descansa.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

1.º de Dezembro

Gosto de feriado do 1.º de Dezembro. Isto não significa que não goste de Espanha. Gosto e muito, mas gosto mais de não ser espanhol. Prefiro os defeitos dos portugueses aos defeitos dos castelhanos. Talvez seja por estar habituado a esses defeitos, mas a verdade é que os nossos, apesar de contra eles protestarmos todos os dias, há muito que não nos dão uma guerra civil, nem sustentam uma cáfila de senhoritos a fingir que têm voz grossa, como se tem vista do outro lado da fronteira com o triste caso da Catalunha. Por isso, estou obrigado perante os conjurados e o golpe ilegal do 1.º Dezembro, o qual pôs as coisas no devido lugar.